Entenda por que
não é possível Sacramentos online
É possível se
confessar por telefone? Como não posso viajar, é possível ser padrinho
acompanhando o batismo pelo skype? Qual a possibilidade do matrimônio online?
Estes foram alguns dos questionamentos surgidos neste período de igrejas
fechadas devido à pandemia. Mas, a internet pode servir para muitas coisas, mas
não para administrar Sacramentos, que precisam de matéria, forma e ministro.
Vatican News - A
pandemia de Covid-19 provocou, entre outras coisas, o fechamento de locais de
culto e a proibição de aglomerações, com o consequente impedimento aos fiéis de
se aproximarem dos Sacramentos, e em muitos lugares, de participar dos funerais
de seus entes queridos. Muitas chaves de leitura, iniciativas e encorajamentos
foram oferecidas para ajudar a superar esse momento.
Não faltaram
questionamentos, por exemplo, sobre o porquê não fazer confissões por telefone,
ou mesmo casamentos e batizados online. Padre Alexandre Boratti Favretto,
doutorando em Teologia Dogmática na Pontifícia Gregoriana, em Roma, nos ajuda a
entender quais são as condições necessárias para um Sacramento se realizar:
"Se a gente
pega os Sacramentos, em geral, os sete Sacramentos como são estabelecidos pela
Igreja, eles têm três coisas essenciais: a primeira delas, a matéria, a segunda
a forma e a terceira é o ministro e a intenção do ministro. E o que isso
significa? Primeiro: matéria. A matéria é o símbolo palpável, concreto,
utilizado no Sacramento. Então, um exemplo: no Batismo. Qual que é a matéria? A
água, a luz, o óleo. Na Eucaristia, o pão e o vinho; na Confissão há a benção;
no Matrimônio, a benção nupcial, o consentimento, a aliança mais propriamente
dizendo. Então a matéria é essa perspectiva sensível, a gente chama, do
Sacramento. Sensível por quê? Porque você pode tocar, você pode ver, você tem
contato material, um contato sensível, que você pode sentir, essa é a matéria.
Então todo Sacramento tem isso. E com isso você já vai imaginando um pouco
assim: a virtualidade dessa matéria não é possível de acontecer. Então já
aqui a gente vê que já começou dificultando a realização virtual de um
Sacramento, uma vez que ele exige matéria, ele exige o aspecto sensível, coisa
que pelo computador é impossível. Então já aqui, a rigor, está respondida a
pergunta, mas vamos continuar, porque dá para a gente aprofundar isso aqui.
Então assim, pelo virtual não há o aspecto sensível, material que é essencial
para o Sacramento. Então, matéria.
Forma
Segundo aspecto, a
forma. O que é a forma? É a palavra, são os ritos, são as leituras, são as
orações, o que é dito. Então na oração você tem na Missa, no Sacramento da
Eucaristia a Oração Eucarística, as fórmulas sacramentais. No Sacramento do
Matrimônio, você também tem todo o rito, as orações, a liturgia da Palavra.
Batismo, a mesma coisa. Então a forma é a palavra, o que é dito, o que é
falado, o que é celebrado, a partir dessa verba, da palavra dita e celebrada.
O ministro e a
intenção do ministro
E o terceiro
aspecto que é o ministro, que é a intenção do ministro. O que envolve isso? A
presença do ministro ordenado, do sacerdote, e a intenção dele de realizar o
Sacramento em nome da igreja. Ou seja, o ministro não vai realizar algo que é
da cabeça dele, mas ele vai realizar algo que é próprio da Igreja, então ele
está agindo na pessoa do Cristo, in Persona Christi, para realizar
algo que é próprio da fé da Igreja e como a Igreja determinou. Alguém pode
dizer assim: “Mas às vezes não é só o padre que faz um casamento, pode ser um
diácono, alguém delegado, o mesmo com o batismo”. Isso é verdade. Existem
alguns Sacramentos nos quais isso é possível, inclusive são esses dois: o
batismo e o matrimônio, mas que só são possíveis através de uma delegação do ordinário,
que é o bispo. Quer dizer, a pessoa vai ali realizar aquele Sacramento, mas ela
está agindo delegado pelo bispo, pelo padre, nesses dois que existe a
possibilidade, e a pessoa delegada significa presença daquele próprio que a
delegou.
Então, de qualquer
forma a presença do ministro continua sendo necessária, seja ministro ordenado,
o padre, seja nesses casos em que é possível um leigo ou um diácono realizar o
Sacramento que é o batismo e até um matrimônio a partir de uma delegação, mas
precisa dele, de alguém ali, não pode ser feito sem, ou virtualmente. Não, tem
que ser a presença ali e agindo sempre com a intenção de fazer aquilo que a
Igreja faz e acredita.
Então essas três
essencialidades de um Sacramento, já testemunham contra a possibilidade virtual
da celebração sacramental, porque exige matéria, forma, ministro e intenção do
ministro, como eu acabei de explicar.
Confissão
E aí nós vamos,
para continuar aqui a reflexão no seguinte - com relação sobretudo à confissão,
podemos dar um foco nisso, porque a demanda deve estar sendo grande - a questão
da confissão. Até aqui entendido que para um Sacramento não é possível devido a
essas exigências sacramentais a realização virtual, porque precisa de matéria,
forma e ministro. Como proceder?
Contrição perfeita
Aí o Papa, o Santo
Padre o Papa, já nos deu a oportunidade de retomarmos algo que é próprio do
Catecismo da Igreja Católica, que está previsto pela doutrina católica. E o que
é isso? A chamada contrição perfeita, que pode ser realizada nas denominadas
situações de exceção. Ou seja, a pessoa precisa se confessar, ela tem um pecado
em que ela precisa se confessar, não tem a possibilidade de realizar o
Sacramento. Qual é a solução prevista pelo Catecismo da Igreja Católica? A
contrição perfeita, que perdoa o pecado e devolve para a pessoa denominada
graça santificante. Vou destrinchar isso, mas é importante saber desse
contexto. Então existe essa possibilidade prevista pela doutrina da Igreja:
contrição perfeita em situação de exceção, ou seja, quando não é possível recorrer
ao Sacramento. Em geral, antes dessa pandemia, se pensava nessa situação de
exceção em situações absolutamente graves, quer dizer, está afundando um navio,
está caindo um avião, e a gente ultimamente começou a ver que, a pandemia
também é uma situação de exceção, nós não estamos tendo acesso aos Sacramentos,
por uma questão de preservação de vida e de saúde.
Então o Papa nos
recorda dessa possibilidade. É possível, pelo Catecismo, pela doutrina, e o
Papa já disse que é para fazer. Aonde a gente encontra isso? A contrição
perfeita está no Catecismo da Igreja Católica, números
1451 até 1454. E esses números estão em um conjunto maior de números, sobre
os Sacramentos da Igreja, onde você pode encontrar de uma forma destrinchada -
e isso também que eu falei sobre as três essencialidades do Sacramento - e que
estão no Catecismo da Igreja Católica nos números 1420 a 1532. Então esse esse
conjunto maior, de todos os Sacramentos, e afunilando aqui na contrição
perfeita, referente a essa situação de exceção, e repito aqui a numeração da
contrição perfeita: 1451 a 1454. Tudo bem, então não podemos recorrer à
confissão, existe a possibilidade da contrição perfeita.
O que é isso? Como
ela acontece? O que que é preciso, o que ela gera? Contrição perfeita: se
existe uma contrição perfeita é porque também existe uma contrição imperfeita,
é possível. O que é isso? A contrição perfeita, quando ela ocorre? Quando
existe no pecador um desejo autêntico de arrependimento, mas que vem porque a
pessoa se deu conta de que ofendeu a Deus, e como a gente reza lá no Ato de
Contrição: “Senhor eu me arrependo de todo coração por vos ter ofendido, porque
sois tão bom e amável”. Então o motivo da contrição perfeita, é esse. É você
arrepender-se porque você ofendeu a Deus, infinitamente bom, justo e digno de
ser amado sobre todas as coisas, ou seja, tem qualquer coisa aqui de gratuito,
você ofendeu o amor de Deus, e você sente culpa, se arrependeu e precisa do
perdão. Então essa é a contrição perfeita, porque é um motivo autêntico, um
motivo livre, um motivo bonito. Contrição perfeita é isso: machuquei o
coração de Deus que é tão bom, preciso pedir perdão.
Contrição
imperfeita
O que é uma
contrição imperfeita? É o risco que a gente cai muitas vezes, de achar que deve
correr para se confessar, por medo. “Ah, se eu morro antes de me confessar? Aí
sim não sei o quê... aí vai cair um castigo sobre mim!" Essa não é uma
contrição perfeita. Essa é a contrição imperfeita, porque o que faz você buscar
o perdão, não é porque você se arrependeu, ou porque você tomou consciência de
que foi contra o amor divino, é porque você tem medo, por você mesmo, é um
sentimento egoísta. Aí sim, isso também precisa de conversão.
Portanto, se
existe essa gana de busca do Sacramento, porque eu tenho medo, ou então – até é
uma coisa grave que eu estou pensando aqui, para quem insiste na questão de
abrir igreja, de confissão, com tudo isso aí que tá acontecendo - de repente é
até uma desconfiança da extensão da misericórdia de Deus que não conhece
limites. De repente a pessoa desconfia de que Deus possa perdoar através da
contrição perfeita e entende o Sacramento como magia, então portanto aqui já
tem um pecado também que não é assim que se resolve. Aqui nós já temos algo
também a ser trabalhado dentro da pessoa: se ela vê o Sacramento como magia e
se tem medo e desconfia da Misericórdia Divina. Aqui encaixa na contrição
imperfeita. Então nesse caso, não é a Igreja que tem que abrir a confissão
virtual. É a pessoa que tem que conhecer a sua Igreja e tem que mudar o seu
pensamento. Não é a Igreja se adaptar a ela, mas é a pessoa se adaptar ao
ensinamento da Igreja da qual ela faz parte.
Então, portanto,
resumindo aqui: contrição imperfeita nasce do medo, de um desejo egoísta: “Eu
preciso me confessar, de qualquer forma, de qualquer jeito, porque tenho medo
de morrer em pecado” e desconfia da Misericórdia. Contrição perfeita:
“Desagradei a Deus, estou em pecado, mas vou diante d’Ele dizer o que eu fiz, e
Ele vai me dar o perdão nessa situação em que eu estou. Como eu disse, situação
de exceção. Se fosse uma situação normal, a gente pode fazer a contrição
perfeita e depois buscar a confissão, quando possível, no dia-a-dia. Agora,
nessa situação de pandemia, faça a contrição perfeita e quando possível, lá na
frente, busque a confissão, mas já garanta o perdão e a misericórdia de Deus, o
que é possível.
Arrependimento e
sentimento de culpa
Outra coisa
interessante o que é preciso para uma contrição perfeita. Primeira coisa:
arrependimento e culpa de todos os pecados veniais e mortais. Então a contrição
perfeita num caso de excessão, ela também perdoa os pecados mortais? Sim, e é
preciso um arrependimento perfeito e um sentimento de culpa. E aqui eu quero
abrir um parênteses com um grande, talvez o maior teólogo do século XX, Karl
Rahner, que viveu até 1984, tem inúmeras obras escritas, tem obras escritas em
conjunto com Ratzinger, participou do Concílio, é um teólogo que dispensa
apresentações. Karl Rahner, alemão. E Rahner tem um uma reflexão, em um
dos livros, sobre o sentimento de culpabilidade, que ele diz que é um
sentimento essencial, porque a pessoa quando sente culpa, é quando ela toma
consciência de que o que ela fez foi errado e pecaminoso diante de Deus. A
partir da consciência do erro e do pecado, essa consciência gera um sentimento:
culpa! E o sentimento de culpabilidade, faz com que ela busque o perdão e com
que ela não venha mais a cometer o mesmo erro. Portanto, para Runner, o
sentimento de culpa e a consciência do pecado faz buscar o perdão e crescer na
fé, porque você não repete mais aquele pecado mortal ou venial que seja.
Então primeiro
ponto: arrependimento e sentimento de culpa.
A fé por base,
crer na Misericórdia Infinita de Deus
Segundo ponto: o
que é preciso para você fazer a sua a contrição perfeita? É preciso ter por
base a fé, ter por base a fé e alguma verdade de fé, como no caso a
Misericórdia Infinita de Deus. Como eu já disse, se você desconfia da
Misericórdia, vai ser difícil realizar a contrição perfeita. Mas aí o problema
não é institucional, é pessoal, porque a Igreja ensina que a Misericórdia de Deus
não conhece limites.
Exemplo bíblico: 1
Timóteo 2, 4: “O desejo Divino de Deus de salvar a todos em Cristo.” Então
Deus, Ele quer a todos salvar, não conhece restrições nos caminhos. E somado a
isso, Gaudium et Spes 22 “Deus salva por caminhos que só Ele
conhece”. Então, ter por base a fé. E aqui se tem um texto bíblico e um texto
do Magistério, somando essa mesma concepção: a Misericórdia de Deus não conhece
limites. E dois exemplos que a gente pode pegar na Bíblia, um deles Pedro,
quando chora porque traiu Jesus. Quer dizer: culpa, consciência,
arrependimento, perdão. A pecadora que lavou os pés de Jesus com as lágrimas:
culpa, arrependimento, reconhecimento, conversão, perdão.
A intenção
E o terceiro ponto
do que é preciso, a intenção, a intenção perfeita do que? Afastar-se do mal,
não voltar a repetir o pecado, e voltar-se para Deus.
Então o que que é
preciso para a contrição ser perfeita? - repetindo e sintetizando -
arrependimento e culpa, ter base na fé - no caso, de que a Misericórdia de Deus
é infinita -, e o terceiro ponto, intenção: afastar-se do mal, voltar-se para
Deus.
Efeitos da
contrição perfeita
Quais são os
efeitos da contrição perfeita? Perdão imediato dos pecados, perdão imediato dos
pecados. E com isso, consequentemente, como está aí no Catecismo, a retomada da
denominada graça santificante. Isso aqui é bom ser entendido, quer dizer, não é
que a pessoa fica sempre privada da graça quando peca. A graça ela é infinita,
e graça é graça. No entanto, São Tomás de Aquino distinguiu, para estudo,
compreensão, vários tipos de graça. E aqui tem uma lógica, quer dizer, se você
peca e permanece no pecado, insistindo em pecar, você se distancia do caminho
de santificação. Então diz: olha você perdeu aí a graça santificante. Agora,
quando você se arrepende, faz o caminho de conversão, retorna para Deus, e diz
e “não quero mais pecar”, sentiu culpa, conversão, perdão, você então retoma a
denominada graça santificante, ou seja, volta para o caminho de santificação,
que é o objetivo máximo de nós cristãos.
Inclusive aqui um
parênteses: nós no Ocidente teológico chamamos de santificação. No Oriente eles
chamam de divinização. Ó que que bonito! E não porque vai ser Deus, mas por que
você vai ser, além de imagem, semelhança Divina. A pessoa que passou por tudo
isso então, retoma a graça santificante e está livre de qualquer medo de
perdição eterna, seja o que for.
Então esse é um
pouco o caminho que nós estamos fazendo hoje, nesse tempo de pandemia, o que é
possível fazer, a segurança que a Igreja nos dá. E pensando no bem comum, não é
preciso mais nada além disso. Inclusive isso já é bastante difícil de fazer. E
se o povo se apegar a isso, fizer e depois com a retomada da rotina
sacramental, não vai ter problema nenhum, inclusive acho que vai ter
amadurecimento de fé."
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