fala da vivência da fé em tempos de pandemia
Em entrevista ao O
SÃO PAULO, jornal da Arquidiocese de São Paulo, publicada dia 7 de maio, o
bispo auxiliar do Rio de Janeiro e secretário-geral da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), dom Joel Portella Amado, falou sobre os impactos da
pandemia da COVID-19 na vida da Igreja, especialmente pela impossibilidade de
os fiéis participarem da Eucaristia. O bispo reconheceu que muitos católicos
sofrem e até não compreendem as suspensões de missas públicas na maioria das
dioceses brasileiras, mas, ao mesmo tempo, convida os fiéis a verem o
distanciamento social também com os olhos da fé.
Dom Joel Portella Amado |
Ainda segundo dom
Joel, os bispos também sofrem pela impossibilidade de o povo não poder
participar presencialmente da Eucaristia. De igual modo, preocupam-se com o
avanço do novo coronavírus e seus dolorosos impactos na vida da população. Por
fim, o secretário-geral acredita que o grande fruto que os católicos colherão
após a pandemia será a maior valorização dos sacramentos, assim como uma
compreensão mais profunda do significado do amor ao próximo.
Confira a íntegra
da entrevista:
Que resposta o
senhor dá para as pessoas que sofrem com a falta dos sacramentos e pedem para
que possam voltar a celebrá-los?
É bonito ver o
amor por Jesus e, consequentemente, o amor pelos sacramentos. Porém, é
necessário fazer uma distinção quando lidamos com a não participação
sacramental. Trata-se do motivo pelo qual esta participação não acontece. A
diferença está entre querer e entre poder participar. O primeiro caso é daquela
pessoa que, podendo participar, não o quer. O segundo caso é o daquela pessoa
que, querendo participar, não pode. O atual distanciamento social se encontra
no segundo caso, o de quem quer, mas não pode. E não pode por questões de saúde
pública.
Por isso, minha
resposta a essas pessoas é que vejam o distanciamento social também com os
olhos da fé. Não se trata apenas do distanciamento presencial em relação aos
sacramentos, mas também em relação às reuniões regulares da comunidade
eclesial, às outras formas de oração. O amor a Deus é para o “sim” e para o
“não”, ou seja, para fazer algo ou para renunciá-lo. É claro que é mais
compreensível quando se trata de renunciar a algo negativo. Já quando se trata de
deixar de comungar ou não poder se confessar, essa situação é mais difícil de
compreender, podendo gerar atitudes marcadas pela tristeza ou até
incompreensão.
Algumas pessoas
dizem até que os bispos estão privando os fiéis dos sacramentos…
Não são os bispos
que estão privando a recepção dos sacramentos. Os bispos estão seguindo as
orientações de saúde pública. Sofrem com isso. Tenho acompanhado o testemunho
de vários bispos, angustiados por não poderem dar ao seu povo o atendimento
desejado. Mas, é o que se pode fazer em um momento em que não existem remédio,
vacinas e condições de tratamento (leitos, respiradores etc.). O convívio
social é, neste tempo de pandemia, fonte de contaminação e uma pessoa, com a
melhor das intenções, pode se tornar instrumento de contaminação. Que
contradição alguém querer participar dos sacramentos do Amor e acabar levando a
si ou a outrem à doença e à morte!
Como Igreja tem
buscado enfrentar esses momentos difíceis?
A Igreja está
fazendo o que é possível para atender pastoralmente os fiéis. A experiência que
vai se construindo dia após dia, com a pandemia, tem feito surgir várias
situações novas, formas de atendimento que não existiam antes. Estamos vivendo
e discernindo. Mais do que apenas se queixar da ausência da participação
presencial costumeira nos sacramentos, é preciso ver que estão surgindo, com o
acompanhamento dos bispos, formas momentâneas de participação na Eucaristia e
na Reconciliação. Os padres não estão deixando de celebrar nem de atender. Quem
já não viu, por exemplo, a notícia de atendimento de confissões no sistema
drive-thru? É uma resposta pastoral a ser observada e, passada a pandemia,
avaliada para os tempos posteriores.
Entendo que nós,
pessoas do século XXI, não passamos por pandemias e, por isso, corremos o risco
de não compreender bem o que isso significa. Mesmo doenças mais recentes, como
é o caso da dengue ou das outras transmitidas pelo mesmo mosquito, não são
pandemias. Elas não atingem todos os lugares e todas as pessoas,
indistintamente. Por isso, se você quer os sacramentos, mas não pode, tenha a
certeza de que Jesus está ao seu lado. Ele conhece bem a cada um de nós.
Qual é maior
preocupação do senhor, como bispo, neste momento?
A maior
preocupação que hoje tenho é a de que a pandemia não cresça. E crescer aqui tem
vários sentidos. Primeiro, é claro, que não cresça em número de pessoas
contaminadas. Por isso, ressalto o valor da recomendação sanitária de
distanciamento social. Não podemos permitir que a curva dos infectados cresça a
ponto de gerar o esgotamento do sistema de saúde, como já estamos assistindo em
algumas localidades do Brasil.
Segundo, que a
pandemia não se torne politizada, isto é, que os responsáveis pela condução do
país, nos três níveis, federal, estadual e municipal, além das demais
autoridades de saúde, não se engalfinhem, ainda que por palavras e notícias,
esquecendo-se de que, no momento, é crucial preservar e salvar vidas.
Pode acontecer
que, diante de uma doença nova, existam compreensões científicas diferentes
para o enfrentamento. Essas diferenças, contudo, podem e devem ser resolvidas
no diálogo científico. Quando os embates começam a surgir por outras razões,
passando-se então para o embate político, isso significa que foi ultrapassada a
linha do bom senso e do respeito à vida.
Terceiro é o
aumento da “pandemia da pobreza”. Nosso país tem índices graves de
vulnerabilidade social. Após e mesmo agora durante a pandemia, precisaremos
enfrentar a “pandemia econômica”, com as inúmeras questões que lhe são
próprias: geração de renda, recuperação dos trabalhos, situações de fome com a
ausência total de alimentos etc.
Como, então,
vivenciar a fé em meio a essa crise?
O segredo, a meu
ver, está na própria pergunta: vivenciar a fé. Nossa fé é essencialmente
comunitária, fraterna, convivial, presencial. O distanciamento, repito, é uma
exceção, que gostaríamos de já ver terminada, embora vislumbremos ainda algum
tempo pela frente.
Um dos aspectos
que me fascina no cristianismo é a possibilidade de viver a fé em qualquer
situação. Tenho pensado muito nos cristãos perseguidos, impedidos por longos
anos de portar consigo até mesmo um pequeno sinal de fé. Lembro dos padres e
bispos que, na prisão, não podem celebrar a Eucaristia. Nem por isso, deixaram
de viver a fé. Ao contrário, santificam-se porque se agarram ao que lhes é
possível fazer.
Viver a fé não
pode estar restrito apenas à participação sacramental. Esta participação está
ligada a todo o restante da vida, de modo especial, ao amor que é praticado.
Alimentamo-nos dos sacramentos para viver o amor a Deus e ao próximo,
empenhando-nos pela prática da caridade e da solidariedade. Lembro-me agora da
palavra de São Paulo aos coríntios: “ainda que eu conhecesse todos os mistérios
e toda a ciência, mas não tivesse amor, eu nada seria” (1 Cor 13,2).
Por isso, viver a
fé em tempos de pandemia significa encontrar novas formas de praticar o amor ao
próximo. Para tanto, aí está a internet com todo os recursos que ela
disponibiliza para nós. Viver a fé é também estabelecer contato virtual com
outras pessoas, para rezar juntas, em especial as solitárias. Vi uma reportagem
de uma família com crianças pequenas. Dentre as brincadeiras, uma delas é desenhar.
O desenho é digitalizado e enviado para outras pessoas como sinal de carinho,
de fraternidade. Todos nós conhecemos os artistas que fazem apresentações
musicais nas varandas, os aplausos aos profissionais de saúde etc. Tudo isso
sem sair de casa.
Quando, enfim,
pensamos que a vivência da fé nos leva ao amor ao próximo, a perspectiva muda
muito. Sempre é possível amar e servir.
Que frutos os
católicos poderão colher quando tudo isso passar?
O grande fruto,
neste aspecto bem específico, consiste em aprender a valorizar mais os
sacramentos e ajudar as outras pessoas a conhecer e igualmente amar os
sacramentos.
A partir daqui,
são inúmeros os caminhos, como, por exemplo, engajar-se em alguma ação
missionária, que, em termos presenciais só poderá ser depois que o
distanciamento social acabar, ou virtual, já agora, apresentando Jesus Cristo
e, a partir dele, a importância do amor, do serviço e do anúncio. Outro ponto é
que nossas comunidades são convidadas a saírem mais maduras na prática da
iniciação à vida cristã, com projetos e propostas de inspiração catecumenal,
para que se conheça mais Jesus Cristo e a Igreja.
Importa não
restringir a vida cristã ao seu ápice, que é a participação sacramental. Uma
montanha não tem apenas o topo. Desse topo se avista muita coisa e é bonito
estar no topo, contemplando o horizonte. No entanto, a montanha tem outras
belezas que também devem ser apreciadas. Quando alguém corre demais para chegar
ao topo da montanha, acaba por não apreciar o que está pelo caminho. Quando alguém,
por diversos tipos de limitação, não consegue chegar ao topo, deve apreciar o
que está ao redor.
Os católicos, por
fim, são convidados já agora a reverem suas motivações para não participar dos
sacramentos. E essas são algumas vezes muito banais: preguiça, acomodação, não
querer se converter permanecendo em atitudes de pecado. A situação excepcional
leva a valorizar a normal. Se hoje quero, mas não posso, devo aprender a
valorizar as situações em que posso, mas, seja lá por qual razão for, não
quero.
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Fonte: cnbb.org.br
Fonte: cnbb.org.br
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