domingo, 15 de julho de 2012

Para sua reflexão


Cuidar do outro

Há dois caminhos de cuidar do outro. O caminho curto e o caminho longo. As sociedades mais avançadas e ricas desenvolveram melhor o caminho longo das estruturas sociais. Quem viveu em países da Europa ou da América do Norte ou simplesmente os visitou, fica impressionado com o enorme respeito que as pessoas têm para com as outras no uso cuidadoso das coisas públicas. Ruas e estradas limpas de modo que ninguém joga papel e muito menos plásticos no chão, mas nas lixeiras. Ônibus silenciosos, limpos e regulados, de maneira que tanto o motorista quanto os passageiros não são submetidos à violência barulhenta de motores ruidosos ou à sujeira poeirenta de assentos. Nem mesmo alguém, parando o automóvel diante da casa de um amigo para buscá-lo, dá a clássica buzinada, mas desce do automóvel, toca a campainha e espera que a pessoa venha. São expressões, sem dúvida, de cuidado com outro.

No entanto, esses países têm terrível déficit no cuidado direto, imediato, pessoal, cara a cara. As relações intersubjetivas tendem a ser frias, difíceis. Os filhos queixam-se da ausência dos pais. Muitos esposos preferem viver até mesmo em apartamentos distintos para guardarem autonomia e distância entre si. Fala-se que numa cidade como Frankfurt na Alemanha mais da metade dos esposos preferem tal modo de relacionamento.

E entre nós? O brasileiro proverbialmente tem fama de atencioso, de acolhedor, de contacto fácil.

O antropólogo Roberto da Matta, numa palestra num Congresso Nacional de Educação, chamava a atenção para a estrutura familista da nossa cultura. O brasileiro se enternece facilmente diante de quem com que se ligou por algum vínculo. Projeta nessa relação as experiências familiares. No momento em que um fator qualquer permite criar algum vínculo, o brasileiro dispensa cuidados a essa pessoa.

Por outro lado, somos terrivelmente relapsos no referente à maneira social de cuidar dosoutros, zelando pela limpeza, bom funcionamento, conservação dos lugares e objetos públicos. Não passa pela cabeça de muita gente que sujar a via pública, danificar objetos de serviço comum é desrespeito ao outro, é descuido dos demais. As empresas de transporte urbano são, na sua maioria, atentado permanente à dignidade dos passageiros. Os funcionários públicos, pagos com o dinheiro da população, não raras vezes, mostram desleixo e desprezo, sobretudo, para com as pessoas pobres. É problema cultural. Só esforço continuado, a começar com as crianças, de despertar a atenção para as coisas e serviços comuns, irá criando a cultura do social.

Além desse descaso pelas pessoas, quando perdidas no anonimato, a grande cidade tem destruído também os laços personalizados. Cresce, por assim dizer, o número daqueles com quem não temos vínculo algum e, por isso, não nos despertam o interesse. E, mesmo em relação àqueles que constituem o nosso mundo menor, como a família, colegas de serviço ou de escola, amigos por diversas razões, estamos perdendo o cuidado, a atenção, o interesse. Submerge-nos nas vagas envolventes do individualismo a cultura dominante de modo que o cuidado com o outro diminui ou mesmo desaparece. Dessa maneira podemos terminar sem ter nem o caminho longo nem o curto que nos conduzem ao outro.

Cabe-nos reagir contra o tipo de modernização desvairada que sacrifica, em nome da produção, do progresso tecnológico, o cuidado delicado e atento com o outro, tanto pelos caminhos do contacto direto e imediato, como por meio do respeito da "coisa publica”, que, em latim res-publica, está na origem da palavra República. Só assim fazemos jus ao nosso país, que quer ser República do Brasil.

Padre João Batista Libânio – Teólogo Jesuíta
Site Adital

Nenhum comentário:

Postar um comentário