a catequese de Francisco em entrevista inédita
Uma gravação de
2021, que seria incluída em um documentário, será transmitida pelo canal de
televisão ESNE “El Sembrador, Nueva Evangelización”. O Pontífice, meditando
sobre as passagens bíblicas dos diálogos entre Jesus e seu discípulo, expressou
novamente o desejo de que a Igreja seja uma humilde servidora em meio ao mundo.
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Papa Francisco durante entrevista ao canal “El Sembrador, Nueva Evangelización” |
A total
confiança em Deus, a consciência de ser frágil e pecador, um novo chamado aos
sacerdotes para se colocarem a serviço de todos, sua admiração pelos mártires
contemporâneos e sua preocupação com os migrantes são alguns dos temas que o
Papa Francisco abordou em 2021, na conversa com Noel Díaz na Casa Santa Marta.
Díaz é o fundador da associação de fiéis "El Sembrador, Nueva
Evangelización", que anuncia a Palavra de Deus por meio da televisão e do
rádio.
Abaixo, a
transcrição completa da entrevista:
Hoje o senhor é
o sucessor deste homem chamado Simão. O que esta Escritura lhe recorda
Santidade?
Francisco: Tantas coisas!
Que Jesus chama Simão em meio ao povo, não o separa do povo. Há muita gente e
Jesus prega, e as pessoas vão ouvir Jesus porque tem sede da Palavra de Deus. E
Jesus fala como alguém que tem autoridade. Primeiro, Jesus sempre chama seus
sacerdotes do povo, do meio do povo. Se Pedro tivesse esquecido de suas
origens, teria traído o plano de Jesus, teria fundado uma elite. Não! O pastor
deve estar com as ovelhas. É por isso que ele é pastor. Segundo, os sinais que
Jesus realiza, não apenas a autoridade de sua Palavra. Para que tenham
confiança n'Ele, Ele realiza aquele milagre maravilhoso, e ninguém esperava por
isso. Onde está Jesus, sente-se a sua força; e Pedro, quando duvidar, quando
não tiver a força, se recordará disso, do milagre, de que o Senhor é capaz de
mudar as coisas. O que faz Pedro quando vê que Jesus faz isso? Ele se ajoelha
diante d'Ele, se sente um nada, humilde, reconhece ser limitado, ser pecador.
“Senhor, afasta-te de mim, porque sou pecador.” E é aí que Jesus chega, onde quer
chegar. O caminho de Pedro é estar com o povo para ouvir o Senhor. Ir pescar
segundo a ordem do Senhor e realizar este milagre. Terceiro, reconhecer a sua
pequenez, o seu ser nada, e dizer ao Senhor: “Afasta-te, porque sou pecador.”
“Porque és pecador, porque me seguiste, agora farei de ti pescador de homens.”
Este é o quarto passo. Quando Jesus o unge, bispo, sacerdote, Ele o unge porque
ele é pastor. Ele não o unge para promovê-lo, para que ele seja chefe de um
escritório. Ele não o unge para que organize o país politicamente. Não. Ele o
unge para ser pastor... e [Pedro] deixa tudo.
E como o senhor
se sente ao assumir o lugar de Pedro?
Francisco: Sinto que o
Senhor acompanha, que é Ele quem escolhe, é Ele quem iniciou esta história.
Comigo, a iniciou Ele, convidou-me Ele, acompanhou-me Ele. E não obstante as
minhas infidelidades, porque sou um pecador como Pedro, Ele não me abandona.
Então sinto que Ele cuida de mim.
Noel introduz a
leitura bíblica em que Jesus pergunta aos seus apóstolos o que as pessoas dizem
sobre quem Ele é. Depois, Pedro O reconhece publicamente como o Messias.
Francisco: Ali, Jesus
começa com uma pesquisa, quer escutar. E diz: “o que o povo diz sobre mim?”
“Dizem que você é um profeta, que é João Batista que ressuscitou”. Depois de
perguntar o que diz o povo, Jesus pergunta a eles: “e vocês?”, ou seja,
interpela-os. Jesus se dirige a nós nos interpelando: “O que você diz de si
mesmo, o que você diz de mim?” É o diálogo com Jesus. Ele nos chama pelo nome.
E Pedro já tinha se destacado como o líder, porque Jesus lhe havia dito no
primeiro dia, quando o conheceu e lhe mudou o nome: “você é Simão, mas será
chamado Pedro”. Ele colocou-o como a pedra de sustento do grupo. E Pedro faz
aquela profissão de fé, se compromete completamente. Imaginemos a cena de dizer
a uma pessoa: “você não é nem Fulano nem Sicrano, você é Deus, o Filho de
Deus”. Se você disser isso a alguém hoje, te internam num hospício, dizem que
está fora de si. Ele se comprometeu totalmente, e Jesus explica por que teve a
coragem de se comprometer: “porque o que você disse não foi revelado por
nenhuma ciência, mas pelo Pai através do seu Espírito”. E então, quando vê
Pedro se comprometendo assim, confirma-o em seu nome: “Você, Simão, filho de
Jonas, que é pedra, sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Sobre a
fragilidade de um homem que tem a solidez de uma pedra na medida em que se
apoia na palavra de Jesus. Quando se afasta da palavra de Jesus, é como
qualquer outro homem, não tem a solidez da pedra. Por isso Ele o escolhe,
porque tem a solidez da pedra. Pedro fica maravilhado com o que Jesus lhe diz:
“Foi o meu Pai quem te revelou isso”. E então Jesus diz: “pois bem, saibam que
agora irei a Jerusalém e lá me esperam coisas ruins. Vão me julgar, me matar,
me crucificar, mas eu ressuscitarei”. Então Pedro, que já se sente um pouco o
chefe do grupo, o chama de lado. O Evangelho diz: “Senhor, por favor, isso
não”. E Jesus, que havia elogiado Pedro, que lhe tinha dito: “você é o receptor
da revelação do meu Pai”, o repreende. Diz: “Afasta-te de mim, Satanás!”, o
pior insulto. Por quê? Porque ele quer afastá-lo do caminho da cruz. Essa é a
grande correção feita ao primeiro Papa, a Pedro. Também a nós, Papas, Jesus, se
às vezes nos afastamos do seu plano de salvação, diz: “Esse não é o meu
caminho, é o caminho de Satanás”. Por quê? Porque somos pecadores e podemos nos
desviar. A história mostra alguns Papas que preferiram um caminho diferente,
ainda que nunca, nunca tenham errado na fé. É verdade, nunca, mesmo que tenham
levado uma vida mundana. E quando [Pedro] erra na fé, Jesus diz: “Não, isso é
de Satanás. O meu caminho é a cruz”. Ou seja, minha confiança está na palavra
de Jesus que me dá firmeza quando me escolhe e me dá um tapa quando erro.
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Papa Francisco com jornalista Noel Díaz na Santa Marta |
É muito difícil, às vezes, enfrentar os desafios e os ataques do mundo secular, mas tenho certeza de que é mais doloroso enfrentar os ataques internos. É disso que se trata quando Ele diz: “Tu és Pedro”. Você agora é o sucessor de Pedro e, mesmo que venham todos esses ataques, as forças não prevalecerão, diz a Palavra de Deus.
Francisco: Que forças Ele
diz que não prevalecerão? O que Jesus diz?
As forças do
mal.
Francisco: Do mal, do
inferno! Ou seja, quando se deposita a esperança não na revelação do Pai nem na
escolha de Jesus, mas em outros meios, no dinheiro, por exemplo. “Estamos bem
porque temos dinheiro”. Imaginemos um padre, um bispo que diz: “Nossa igreja
vai bem, temos leigos que nos dão dinheiro e tudo segue adiante”. Não deposite
sua esperança aí, porque senão desabará. São forças do inferno, não são as
forças da revelação do Pai. A Jesus o insultaram, o crucificaram e se fizeram
isso com Ele, quem sou eu para que não façam comigo? Se trataram assim o
Mestre, qualquer discípulo, qualquer um de vocês, nem precisa ser Papa, não
pode esperar outro tratamento. Tantos mártires na Igreja nos ensinam isso.
Noel Díaz o
deixa reagir diante do texto de João 21, no qual Jesus pede a Pedro se o ama,
para depois confirmá-lo na sua missão, mas também para lhe dizer que o caminho
não será fácil.
Francisco: Uma confirmação
e uma promessa. Quando Pedro o havia professado, Jesus lhe havia prometido que
as portas do inferno não prevaleceriam, que permaneceria firme até que
estivesse sobre a pedra. Aqui confirma isso três vezes. Pedro se entristece
porque se recorda das três vezes em que o negou, e então se entristece, e
finalmente o Senhor o confirma pela terceira vez. Ele lhe diz talvez “de agora
em diante nada de ruim irá lhe acontecer, agora terá todo o poder, agora terá
todo o dinheiro, agora as pessoas o seguirão”? Diz isso talvez a ele? Não! Ele
lhe diz: “vá em frente, porque quando for velho irá para onde não quiser, o
levarão para onde não quiser, o despojarão e acabará como eu, crucificado”. O
Senhor promete a Pedro o seu caminho, o caminho da cruz, o caminho da entrega
total, o caminho de colocar a confiança somente n'Ele. É interessante que,
quando Pedro professa que Jesus é o Filho de Deus – a força do Espírito Santo o
faz professar isso -, depois ele perde o rumo. E quando Jesus fala sobre a
cruz, tenta convencê-lo do contrário. Pedro cai em um pensamento mundano e a
mesma coisa acontece aqui. Jesus lhe diz isso, ele aceita, [Pedro] então se
volta para João e pergunta: “Senhor, já que está aqui, o que será dele?” É o
Pedro fofoqueiro, o Pedro que se esquece naquele momento do que o Senhor lhe
disse para fazer fofoca sobre outra pessoa. Somos assim, mas o Senhor cuida de
nós com o seu poder, mesmo quando é preciso enfrentar o martírio, nos acompanha
com a sua mão. E por falar em martírio, gostaria de concluir falando sobre os
mártires de hoje. Há mais mártires hoje do que no início da Igreja.
Mártires cristãos, mártires que, pelo simples fato de serem cristãos, são
decapitados e professam Jesus. Mártires que estão na prisão por ter professado
Jesus. São nossos irmãos! É a Igreja dos mártires. É esta a Igreja que triunfa,
não a Igreja com dinheiro nos bancos. É esta que triunfa, a Igreja dos
mártires, do testemunho. Porque martírio significa testemunho. Mencionei
aqueles que dão suas vidas, mas até mesmo aquele homem, aquela mulher que
trabalha todos os dias para educar os próprios filhos na vida cristã e para
dar-lhes testemunho, é um mártir. “Não, padre, como pode ser um mártir se não o
mataram?” Não, mártir significa testemunha. Martírio é testemunho, é a tradução
do termo grego. Qualquer testemunha de Jesus é mártir, ou seja, dá
testemunho. E também ele dá testemunho da Igreja. Que Deus abençoe todos
vocês e rezem por mim, por favor.
Noel Díaz pede a
bênção para todos.
Francisco: E a todos vocês,
que estão assistindo e ouvindo esta conversa, desejo que o Senhor abra o
coração de vocês e permita que a sua Palavra entre ali. Portanto, os abençoo de
todo coração. Eu os abençoo. Dou-lhes minha bênção como pai, como irmão mais
velho, como servo de todos vocês. Que os abençoe Deus Todo-Poderoso, Pai, Filho
e Espírito Santo. E, por favor, rezem por mim. Obrigado.
(Noel Díaz pede
uma segunda bênção para os migrantes). Tudo isso representa os migrantes, eu
disse a eles que pediria a sua bênção.
Francisco: Pensando nos
migrantes, naqueles que tiveram que deixar a própria pátria, que são acolhidos
por muitas pessoas boas ou pessoas indiferentes, que estão no caminho do
exílio, longe da própria pátria, que sentem saudade dos amigos, da família, da
beleza da pátria: a todos eles, dou a minha bênção em nome do Pai, do Filho e
do Espírito Santo.
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