Consumismo e
desperdício
Cardeal Sergio
da Rocha - Arcebispo de Salvador (BA)
Vivemos numa
época marcada fortemente pelo consumismo e pelo desperdício. As pessoas tendem
a reproduzir largamente em suas vidas, sem a devida consciência crítica, a
mentalidade e os hábitos consumistas. O consumismo se edifica sobre o
pressuposto de que a felicidade é proporcional ao consumo de bens. O prazer de
viver não pode depender do consumo de bens supérfluos, embora deva ser
assegurado a todos condições de vida digna. O sentido da vida e as perspectivas
de futuro não encontram lugar nos limites estreitos do consumismo. É preciso
redescobrir o valor das coisas simples e aparentemente pequenas que fazem as
pessoas felizes no dia a dia. As ondas de consumo passam. A felicidade vem de
dentro, não se adquire com dinheiro, pois não está radicada em mercadorias, nem
é comprada em lojas. É alimentada pela gratuidade e pela simplicidade de vida.
A mentalidade do “vale quem tem”, “vale quem produz”, “vale quem pode
consumir”, contradiz a dignidade humana, desumaniza e causa muita
infelicidade.
O desperdício de
bens, especialmente de alimentos, é uma face perversa do consumo irresponsável.
O desperdício de comida é um escândalo perante a miséria, a fome e a
desnutrição, além de pesar no bolso e prejudicar o meio ambiente. O Brasil
figura entre os países que mais desperdiçam alimentos no mundo. O problema tem
sido objeto de estudos e pesquisas, mas não tem recebido a devida atenção no
dia a dia, nem é considerado por muitos um grave problema ético e social. Boa
parte dos alimentos adquiridos vai para o lixo. Tal desperdício daria para
matar a fome de muita gente ou alimentar melhor inúmeras pessoas carentes. Para
constatar a gravidade e a frequência do problema, basta estar atento aos
próprios hábitos pessoais e familiares ou conferir o lixo doméstico ou os
depósitos de lixo.
Temos muito a
aprender com o episódio bíblico do maná no deserto. Na longa travessia do
deserto, no êxodo, o povo se alimentava do maná, dom de Deus. Contudo, havia
regras para evitar a acumulação e o desperdício do maná e garantir que todos
tivessem o alimento necessário (Ex 16,15-20). Ninguém deveria acumular ou
desperdiçar o maná. Tal lição precisa ser recordada e atualizada num mundo em
que o direito humano à alimentação não tem sido assegurado para todos.
Criar
relacionamentos humanos baseados na gratuidade e recriar um estilo de vida
simples permitem grandes passos na superação da cultura do consumo e do
desperdício Nesse contexto social, a experiência da gratuidade do amor de Deus,
isto é, da graça, torna-se ainda mais significativa e necessária, permitindo a
redescoberta da gratuidade nos relacionamentos, a alegria de viver sem exageros
de consumo e o valor inviolável de cada pessoa humana.
*Artigo
publicado no jornal A Tarde, em 13 de julho de 2025.
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