terça-feira, 22 de julho de 2025

Para sua reflexão:

Consumismo e desperdício  

Cardeal Sergio da Rocha - Arcebispo de Salvador (BA)

Vivemos numa época marcada fortemente pelo consumismo e pelo desperdício. As pessoas tendem a reproduzir largamente em suas vidas, sem a devida consciência crítica, a mentalidade e os hábitos consumistas. O consumismo se edifica sobre o pressuposto de que a felicidade é proporcional ao consumo de bens. O prazer de viver não pode depender do consumo de bens supérfluos, embora deva ser assegurado a todos condições de vida digna. O sentido da vida e as perspectivas de futuro não encontram lugar nos limites estreitos do consumismo. É preciso redescobrir o valor das coisas simples e aparentemente pequenas que fazem as pessoas felizes no dia a dia. As ondas de consumo passam. A felicidade vem de dentro, não se adquire com dinheiro, pois não está radicada em mercadorias, nem é comprada em lojas. É alimentada pela gratuidade e pela simplicidade de vida. A mentalidade do “vale quem tem”, “vale quem produz”, “vale quem pode consumir”, contradiz a dignidade humana, desumaniza e causa muita infelicidade. 

O desperdício de bens, especialmente de alimentos, é uma face perversa do consumo irresponsável. O desperdício de comida é um escândalo perante a miséria, a fome e a desnutrição, além de pesar no bolso e prejudicar o meio ambiente. O Brasil figura entre os países que mais desperdiçam alimentos no mundo. O problema tem sido objeto de estudos e pesquisas, mas não tem recebido a devida atenção no dia a dia, nem é considerado por muitos um grave problema ético e social. Boa parte dos alimentos adquiridos vai para o lixo. Tal desperdício daria para matar a fome de muita gente ou alimentar melhor inúmeras pessoas carentes. Para constatar a gravidade e a frequência do problema, basta estar atento aos próprios hábitos pessoais e familiares ou conferir o lixo doméstico ou os depósitos de lixo. 

Temos muito a aprender com o episódio bíblico do maná no deserto. Na longa travessia do deserto, no êxodo, o povo se alimentava do maná, dom de Deus. Contudo, havia regras para evitar a acumulação e o desperdício do maná e garantir que todos tivessem o alimento necessário (Ex 16,15-20). Ninguém deveria acumular ou desperdiçar o maná. Tal lição precisa ser recordada e atualizada num mundo em que o direito humano à alimentação não tem sido assegurado para todos. 

Criar relacionamentos humanos baseados na gratuidade e recriar um estilo de vida simples permitem grandes passos na superação da cultura do consumo e do desperdício Nesse contexto social, a experiência da gratuidade do amor de Deus, isto é, da graça, torna-se ainda mais significativa e necessária, permitindo a redescoberta da gratuidade nos relacionamentos, a alegria de viver sem exageros de consumo e o valor inviolável de cada pessoa humana. 

*Artigo publicado no jornal A Tarde, em 13 de julho de 2025.

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                                                                                                                         Fonte: cnbb.org.br

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